O holandês e a gastronomia

A maneira com a qual o holandês vem se relacionando com a comida é completamente diferente hoje de quatro anos pra trás. E muito melhor! Peço desculpas aos meus amigos holandeses, mas a verdade é que a gastronomia do país já foi uma das menos atraentes do mundo. Existem hábitos alimentares difíceis de entender, mas que justificam essa questão. Em primeiro lugar, o almoço é um momento em que o holandês pouco – ou quase nada – dedica ao ato de sentar à mesa, para apreciar os sabores de uma refeição, e aproveitar esse momento não só para se alimentar como dar aquela pausa tão necessária e aliviante que muitos de nós anseiam no meio do dia. Poucos holandeses fazem isso. Fazem-no, durante a semana, principalmente quando precisam discutir algum assunto com um colega de trabalho ou cliente. O mais comum de se ver? Holandês com um "sanduichinho qualquer" na frente do computador. Ou com esse mesmo sanduichinho, andando de um lado para o outro na rua aproveitando o tempo para resolver alguma atividade pessoal. É claro que para toda regra há exceção. Quando à noite, em casa, por anos e anos o holandês dedicou o momento em família para preparar refeições prontas, sem sabor, e a base de pão de saquinho comprado no supermercado. Como um povo tão ligado ao consumo do pão, será que nunca ninguém pensou em abrir uma padaria daquelas que vemos no Brasil, França e Italia, dedicada a maravilhosos pães de fermentação natural ? O problema, aqui, não é o consumo em si do pão – mas o fato de ser uma nação tão próxima desse consumo e que o faz de maneira tão precária: os pães frescos nunca viram uma boa fermentação longa natural e o restante, a maioria, vem industrializados em saquinhos nas prateleiras do mercado com aparência pouco animadora. Sempre achei esse fato curioso! Lógico, como toda regra, há exceções...

Mas é fato que mesmo em meio a tantos pães de aparência e sabor zero atraente, o holandês – impulsionado pelo comportamento da nova geração que viaja e é mais antenada ao mundo – começou a comer bem melhor - inclusive dando preferência a vegetais e orgânicos. Isso está ligado diretamente ao maior tempo em que passa sentado à mesa – ou cozinhando entre família e amigos – e mesmo o tempo que dedicam na pesquisa de novos restaurantes pipocando pela cidade. Viva à globalização, que nesse caso, em particular, contribuiu para a invasão de bares, bistros e food courts por Amsterdam empenhando um papel fundamental para a disseminação da boa cultura alimentar. Outro feliz motivo que contribuiu para essa mudança alimentar é o crescimento de pequenos produtores e fazendas que abastecem a cidade, seja com vegetais ou proteínas: movimento que engrena em tantos cantos do mundo, necessário para o nosso maior valor ao produto consciente local e para uma alimentação mais saudável. Isso é visto cada vez mais em restaurantes que respeitam o produto sazonal e, por sua vez, trabalham seu cardapio em cima do que a natureza – e outras pequenas variáveis - permitiu. O Marqt é um exemplo fabuloso: espalhado pela cidade, quase todos os produtos são de produtores locais (exceto vinhos e outros, que dificilmente conseguiriam solo e clima propícios para sua produção, num país tão frio como a Holanda). Mesmo os produtos não locais são selecionados com cuidado – produção sustentável, orgânico ou biodinâmico -, a preço justo. Até a maneira de se pagar é ecologicamente consciente: não aceitam dinheiro em papel, apenas cartão – fato que já já vai dominar a cidade como um todo. Sempre achei que cozinhar é um ato de amor, partilha e respeito. Quem está ao redor da mesa sente e propaga o mesmo. Que bom Amsterdam está tendo mais momentos assim!

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